Falar da Romaria de S. João d’Arga a quem não conhece esta tradição da
Serra d’Arga é uma missão complicada. Como é que se explica que milhares de
pessoas rumem, anualmente, a uma festa no meio do monte, onde não há mais nada
à volta, com um cartaz em que o principal destaque são duas bandas de música da região em
despique?
Talvez seja precisamente porque a simplicidade é tal que ouvir as
bandas, as concertinas e os cantares ao desafio noite dentro, a comer, beber e conviver, no meio do
monte, ganha outra dimensão, que faz desta festa única, genuína e imperdível.
A romaria de S. João d’Arga realiza-se anualmente nos dias
28 e 29 de Agosto, num mosteiro com o mesmo nome, localizado em plena Serra
d’Arga, no concelho de Caminha, classificado como monumento nacional e
considerado «um dos mais importantes testemunhos medievais da região».
Encravado no meio da serra, o mosteiro é composto por uma
capela e por quartéis, que são construções à volta do templo, onde os romeiros
pernoitam e, nos dias da festa, há tasquinhas no rés-do-chão. Em 2015, este
espaço foi alvo de uma intervenção de recuperação que ascendeu a mais de 500 mil euros.
É este o epicentro de toda a festa dedicada a S. João
Baptista, com um programa religioso que inclui missas e procissões. A fé leva
muita gente a este templo, para rezar e cumprir promessas. Diz a tradição que
os romeiros devem dar três voltas à capela e depois deixar uma esmola a S. João
e outra ao diabo. Os fiéis pedem intercessão do santo sobretudo para a cura de quistos,
verrugas e doenças de pele, mas também para arranjar casamento.
A maioria das pessoas vai, actualmente, de carro, o que gera
filas com vários quilómetros, apesar de haver um parque de estacionamento para cerca
de mil veículos. Contudo, há quem mantenha a tradição e faça o percurso a pé,
como a Rusga a S. João d´Arga, que sai, hoje, às 12h30, de Caminha rumo à
festa, com concertinas e farnel, como os antigos romeiros.
À chegada a S. João d’Arga, há quem assente arraiais,
montando tendas para pernoitar, mesas e até churrasqueiras. No fim-de-semana já
havia, aliás, gente acampada na mata junto ao mosteiro, assim como nos comes e bebes e a
cumprir as suas promessas, antecipando o início da festa.
Quem não tem tenda para montar, tem à sua espera uma irresistível
panóplia de comes e bebes. Não se espante se pela manhã vir romeiros a
devorar chouriço, presunto, bifanas ou porco no espeto para “forrar” o estômago
enquanto esperam, por exemplo, pelo cabrito da Serra d’Arga (uma especialidade
local)... Junte-se a eles nos petiscos, que vale a pena.
Obrigatório é também o “chiripiti”, uma mistura de
aguardente com mel, típica desta romaria, que é bebida a qualquer hora porque,
afinal, há que manter a tradição...
Com o cair da noite vem o despique das bandas filarmónicas,
este ano com as de Moreira do Lima e de Vila Nova de Anha, já experientes
nestas andanças. Este é um espectáculo muito exigente para as bandas, em que o
público de todas as idades forma autênticas claques e é implacável quando não
gosta. Aqui é possível ver pessoas que, provavelmente, nunca ouviram um
concerto de uma banda filarmónica a delirarem com as interpretações e a puxarem aos pulos pela sua preferida...
Noite dentro, o som das concertinas e dos cantares ao
desafio ecoa pelo monte, convidando a um pezinho de dança.
Amanhã, o ponto forte é o programa religioso, mas os comes e
bebes e o convívio continuam. Famílias inteiras, muitas munidas de concertinas,
vão ano após ano a esta festa. Quando se lhes pergunta porque é que voltam, há quem resuma e diga que é porque a romaria é «espectacular».